MiniBol 17: Dir. Humanos - EUA = queda do Muro de Berlim, Neoliberalismo, Estado, Imprensa – 441 palavras
Recebi em 27 de setembro último 4 textos muitos interessantes que tratam da atual crise econômica norte-americana e do mundo, sobre o neoliberalismo em decadência, a função do Estado e por último, o papel da imprensa. Enfim, tratam de temas que sempre nos são comuns sempre que falamos em Direitos Humanos, riqueza, trabalho, informação, cultura, educação, etc.
Seus autores são: JOSEPH STIGLITZ, EMIR SADER, BOAVENTURA SANTOS, CÍCERO SANDRONI em entrevista (Ass. Brasil de Letras).
1) A crise de Wall Street equivale à queda do Muro de Berlim - JOSEPH STIGLITZ
Para o prêmio Nobel de Economia de 2001, a crise financeira que atingiu Wall Street e os mercados financeiros de todo o mundo equivale, para o fundamentalismo de mercado, ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. "Ela diz ao mundo que esse modelo não funciona. Esse momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas", diz Stiglitz.
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2) O neoliberalismo acabou? Emir Sader 16/09/2008
...Mas todo ataque especulativo tinha aos EUA como beneficiário, toda fuga de capitais tinha a Bolsa de Valores de Nova York como refúgio. Sabia-se que essa farra especulativa só poderia encontrar um limite no momento em que o principal beneficiário dela fosse também vítima. Esse momento chegou.
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3) O impensável aconteceu - Boaventura de Souza Santos
O Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução; cada país tem o direito de fazer prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os ditames da globalização; o mercado não é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua irracionalidade e ineficiência enquanto estas não atingirem o nível de auto-destruição.
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4) Presidente da ABL diz que Brasil não tem liberdade de imprensa, mas de empresa
Sandroni argumentou que nos seus 50 anos de jornalismo percebeu que, por causa de pressões dos conglomerados econômicos e do Estado, o jornalista não possui liberdade de expressar seu pensamento, mas apenas cumpre pautas que se alinhem com os interesses dos financiadores dos veículos de comunicação.
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Esses 4 textos foram distribuídos pelo professor Evandro Ouriques, responsável pelo Curso de Extensão e Disciplina Jornalismo de Políticas Públicas Sociais-JPPS, criado pelo Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência - NETCCON.ECO.UFRJ. A ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) também colabora com a Coordenação desse Curso.
Abraços em tod@s,
Luiz Fernando Dudu Azevedo
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1) A crise de Wall Street equivale à queda do Muro de Berlim
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JOSEPH STIGLITZ
Para o prêmio Nobel de Economia de 2001, a crise financeira que atingiu Wall Street e os mercados financeiros de todo o mundo equivale, para o fundamentalismo de mercado, ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. "Ela diz ao mundo que esse modelo não funciona. Esse momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas", diz Stiglitz.Nathan Gardels –
El PaísJoseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, sustenta que a crise de Wall Street evidencia que o modelo de fundamentalismo de mercado não funciona. Para ele, a crise que sacudiu Wall Street é para esse modelo o equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. Stiglitz critica a complexidade dos produtos financeiros que provocaram a crise e os incentivos ao risco dos sistemas de recompensa dos executivos.
Pergunta: Barack Obama afirma que o naufrágio de Wall Street é a maior crise financeira desde a Grande Depressão. John McCain diz que a economia está ameaçada, mas é basicamente forte. Qual deles têm razão? Stiglitz – Obama está muito mais próximo da verdade. Sim, os Estados Unidos tem talentos, grandes universidades e um bom setor de alta tecnologia. Mas os mercados financeiros desempenham um papel muito importante, sendo responsáveis nos últimos anos por cerca de 30% dos lucros empresariais. Os executivos dos mercados financeiros obtiveram esses lucros com o argumento de que estavam ajudando a gerir o risco e a garantir maior eficácia ao capital. Por isso, diziam, mereciam rendimentos tão altos. Ficou demonstrado que isso não é certo. A gestão que eles executaram foi muito mal. Agora, o tiro saiu pela culatra e o resto da economia pagará porque as trocas comerciais cairão devido à redução do crédito. Nenhuma economia moderna pode funcionar bem sem um setor financeiro vibrante. Assim, o diagnóstico de Obama, quando diz que nosso setor financeiro está em estado deplorável, é correto. E se está em um estado deplorável, isso significa que nossa economia está em um estado deplorável. Ainda que não levássemos em conta a comoção financeira, mas só a dívida doméstica, nacional e federal, isso já bastaria para ver a seriedade do problema. Estamos nos afogando. Se observarmos a desigualdade, que é a maior desde a Grande Depressão, o problema é sério. Se observarmos o estancamento dos salários, o problema é sério. A maior parte do crescimento econômico dos últimos cinco anos baseava-se em uma bolha do setor imobiliário, que agora estourou. E os frutos desse crescimento não foram repartidos amplamente. Em resumo, os fundamentos não são bons.
Pergunta: Qual deveria ser, na sua opinião, a resposta política ao afundamento de Wall Street? Stiglitz – Está claro que necessitamos não só voltar a regular, mas também redesenhar o sistema regulador. Durante seu reinado como chefe do Federal Reserve, no qual surgiu essa bolha hipotecária e financeira, Alan Greenspan tinha muitos instrumentos ao seu alcance para freá-la, mas não conseguiu fazer isso. Afinal de contas, Ronald Reagan escolheu-o por sua atitude contrária à regulação. Ele substituiu a Paul Volcker no Federal Reserve, conhecido por manter a inflação sob controle. O governo Reagan não acreditava que ele fosse um “liberalizador” adequado. Por conseguinte, nosso país sofreu os efeitos de escolher como regulador supremo da economia a alguém que não acreditava na regulação. De modo que, para corrigir o problema, a primeira coisa que precisamos é de líderes políticos e responsáveis que acreditem no papel da regulação. Além disso, precisamos estabelecer um sistema novo, capaz de suportar a expansão das finanças e dos instrumentos financeiros de um modo melhor que os bancos tradicionais. Precisamos, por exemplo, regulamentar os incentivos. Eles têm que ser pagos baseando-se nos resultados de vários anos, e não no de apenas um, porque este último modelo fomenta as apostas. As opções de compra de ações fomentam a adulteração da contabilidade e é preciso frear essa prática. Em resumo, oferecemos incentivos para que se alimentasse um mau comportamento no sistema. Além de freios, precisamos de faixas de controle. Historicamente, todas as crises têm estado associadas a uma expansão muito rápida de determinados tipos de ativos. Se conseguimos frear esse processo, podemos impedir que as bolhas cresçam de modo descontrolado. O mundo não desapareceria se as hipotecas crescessem 10% e não 25% anualmente. Conhecemos tão bem o patrão que deveríamos fazer algo para dominá-lo. Precisamos ainda de uma comissão de segurança para os produtos financeiros, assim como temos no caso dos produtos de consumo. O setor financeiro estava inventando produtos que não geriam o risco, mas sim o produziam. Certamente, acredito na necessidade de uma maior transparência. No entanto, desde o ponto de vista dos critérios reguladores, esses produtos eram transparentes em um sentido técnico. Mas eram tão complexos que ninguém os entendia. Mesmo que fossem tornadas públicas todas as cláusulas destes contratos, elas não trariam a nenhum mortal alguma informação útil sobre seu risco. Muita informação equivale a nenhuma informação. Neste sentido, aqueles que pedem mais revelações como solução para o problema não entendem a informação. Se alguém compra um produto, necessita de uma informação simples e básica: qual é o risco. Essa é a questão.
Pergunta: Os ativos hipotecários que provocaram o caos estão em mãos de bancos ou fundos soberanos da China, Japão, Europa e países do Golfo. Como essa crise os afetará? Stiglitz – É certo. As perdas das instituições financeiras européias com as hipotecas subprime foram maiores do que as verificadas nos Estados Unidos. O fato de os EUA terem diversificado esses ativos hipotecários por todo o mundo, graças à globalização dos mercados, suavizou o impacto interno. Se não tivéssemos disseminado o risco por todo o mundo, a crise seria muito pior. Uma coisa que agora se entende, a conseqüência dessa crise, é a informação assimétrica da globalização. Na Europa, por exemplo, não se sabia muito bem que as hipotecas norte-americanas são hipotecas sem lastro: se o valor da casa baixa mais que o da hipoteca, pode-se devolver a chave ao banco e ir embora. Na Europa, a casa serve de garantia, mas o tomador do empréstimo segue endividado, aconteça o que aconteça. Este é um dos perigos da globalização: o conhecimento é local, sabe-se muito mais sobre sua própria sociedade do que sobre as outras.
Pergunta: Qual é então, em última análise, o impacto do naufrágio de Wall Street na globalização regida pelo mercado? Stiglitz - O programa da globalização esteve estreitamente ligado aos fundamentalistas do mercado: a ideologia dos mercados livres e da liberalização financeira. Nesta crise, observamos que as instituições mais baseadas no mercado da economia mais baseada no mercado vieram abaixo e correram a pedir a ajuda do Estado. Todo mundo dirá agora que este é o final do fundamentalismo de mercado. Neste sentido, a crise de Wall Street é para o fundamentalismo de mercado o que a queda do Muro de Berlim foi para o comunismo: ela diz ao mundo que este modo de organização econômica é insustentável. Em resumo, dizem todos, esse modelo não funciona. Este momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas. A hipocrisia entre o modo pelo qual o Tesouro dos EUA, o FMI e o Banco Mundial manejaram a crise asiática de 1997 e o modo como procedem agora acentuou essa reação intelectual. Agora os asiáticos dizem: “Um momento, para nós, vocês disseram que deveríamos imitar o modelo dos Estados Unidos. Se tivéssemos seguido vosso exemplo, agora estaríamos nesta mesma desordem. Vocês, talvez, possam se permitir isso. Nós, não”.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
2) Presidente da ABL diz que Brasil não tem liberdade de imprensa, mas de empresa
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Sérgio Matsuura "No Brasil não existe liberdade de imprensa, existe liberdade de empresa", afirmou o presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Cícero Sandroni, no encerramento do seminário "Brasil, brasis – liberdade de expressão: base da democracia", realizado na sede da ABL na noite desta quinta-feira (25/09).
Todos os debatedores defenderam a liberdade de imprensa, mas levantaram problemas que ela enfrenta para a sua plena consolidação no País. Sandroni argumentou que nos seus 50 anos de jornalismo percebeu que, por causa de pressões dos conglomerados econômicos e do Estado, o jornalista não possui liberdade de expressar seu pensamento, mas apenas cumpre pautas que se alinhem com os interesses dos financiadores dos veículos de comunicação.
"Eu acho até natural que os meios de comunicação defendam os interesses dos grupos que os financiam, mas não é aquela liberdade de imprensa que gostaríamos que existisse", avaliou Sandroni. Bucci critica influência da publicidadeA mesma linha de pensamento foi apresentada pelo ex-presidente da Radiobrás Eugênio Bucci. Ele criticou o poder exercido pela publicidade, principalmente dos governos, nos veículos de comunicação. Segundo Bucci, a verba de publicidade dos municípios, dos estados e da federação interfere na produção de conteúdo dos veículos, cerceando a liberdade de imprensa.
"O Estado é um dos maiores anunciantes do mercado brasileiro. Isso significa que nos veículos mais fracos a verba vinda do poder público é essencial para o seu funcionamento. Isso cria uma porta de influência, interferência e de pressão do poder público sobre a existência dos próprios veículos. Isso conspira contra os requisitos formais da liberdade de imprensa", alerta Bucci. O controle dos veículos de comunicação pelo Estado é, para o ex-Ministro da Justiça Célio Borja, o maior obstáculo à liberdade de expressão.
Segundo ele, ao influenciar a produção de informação, o poder torna a versão oficial dos fatos hegemônica no cenário nacional em detrimento das opiniões individuais. "Hoje a repressão sobre os veículos e sobre as opiniões está muitíssimo limitada, mas a repressão não é a única forma de dominação dos veículos", afirmou Borja. Jornalista deve usar crítica para lutar contra controleNa opinião do ex-presidente da Radiobrás, para lutar contra esse controle é necessário que "os jornalistas exerçam a liberdade". Para tanto, os profissionais devem "olhar com desconfiança", não deixando serem cooptados pelo poder econômico, político e dos grupos de influência. “A liberdade floresce mais na crítica que no aplauso”, afirmou Bucci.
A cientista política, historiadora e jornalista Lucia Hippólito também prega a crítica como meio de alcançar a liberdade de imprensa. Ela afirma que o poder e o pensamento se relacionam mal, "porque o poder não aceita críticas e o pensamento é, em si, uma forma crítica de expressão". Analfabetismo impede a liberdade de imprensa.
O jornalista e professor universitário José Marques de Melo levantou outra barreira para o pleno exercício da liberdade de imprensa no País. Mesmo com a Constituição de 88, que propiciou "um dos momentos mais fecundos" da atividade dos meios de comunicação no País, a maior parte da população continua fora desse processo em "bolsões marginalizados da cultura letrada". "Ao ingressar no século XXI, o Brasil sofre de um mal endêmico. Sua imprensa permanece restrita a uma fatia minoritária da sociedade. É reduzido o número de brasileiros que são leitores regulares de livros, revistas e jornais", analisou Melo.
O advogado Sérgio Bermudes lembrou que o direito à liberdade de imprensa está presente, assim como na Constituição Brasileira, na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento, que completa seu 60º aniversário este ano, diz em seu artigo 19: "Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão. Este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e procurar receber informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".
3) O neoliberalismo acabou?
Emir Sader
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26/09/2008
O neoliberalismo se constituiu em um novo modelo hegemônico na história do capitalismo, sucedendo ao modelo regulador – keynesiano ou de bem-estar social, como se queira chamá-lo. Fez seu diagnóstico do esgotamento do modelo anterior e se propôs reorganizar o sistema capitalista no seu conjunto, conforme seus princípios liberais reciclados para o novo período histórico do capitalismo.
Foi um modelo absolutamente hegemônico, logrando estender-se da forma mais universal possível: da Europa Ocidental ao EUA, da América Latina à China, da Europa Oriental à África, da Rússia ao sudeste asiático.
Teve crises precoces – ao longo da década de 1990, no México, no sudeste asiático, na Rússia, no Brasil, na Argentina – mas se manteve hegemônico, sem nenhum outro projeto alternativo que lhe disputasse hegemonia. Suscitou grandes mobilizações contrárias – como as iniciadas em Seattle, que desembocaram nos “Fóruns Social Mundiais” -, seguiu tropeçando, como na OMC, no enfraquecimento do FMI e do Banco Mundial, mas continuou a ser o único modelo globalizado. Depois de algum tempo, a proposta híbrida da China permitiu surgir a expressão Consenso de Pequim, no lugar do de Washington, mas girando sempre em torno de adequações às políticas de livre comércio.
Potências centrais do capitalismo já haviam sido vítimas das desregulação e do poder de ataque do capital especulativo, entre elas a Grã-Bretanha, na década de 80, vítima do mega-especulador George Soros.
Mas todo ataque especulativo tinha aos EUA como beneficiário, toda fuga de capitais tinha a Bolsa de Valores de Nova York como refúgio. Sabia-se que essa farra especulativa só poderia encontrar um limite no momento em que o principal beneficiário dela fosse também vítima. Esse momento chegou.
As medidas emergenciais, como sempre, ferem a doutrina neoliberal, com intervenções diretas e maciças do Estado – como já vinha acontecendo desde a primeira crise neoliberal, a do México em 1994. Mas elas significam o fim do neoliberalismo? É possível a retomada de processos regulatórios globais – um novo Bretton Woods - que brequem estruturalmente a livre circulação de capitais e a revertam os processos de desregulação econômica, essência mesma do neoliberalismo?
Nada indica que isso seja possível. Não existe uma lógica racional do sistema capitalista, que faça com que seus agentes – de grandes corporações a Estados dominantes – ajam conforme uma lógica superior do sistema. Essa é uma de suas contradições estruturais, aquela entre dominação global e apropriação privada. Trata-se de uma grande crise capitalista, já se diz que a maior desde a de 1929, que pode abrir caminho à construção de um modelo alternativo. Mas por enquanto não se vislumbra nenhum modelo que possa ter esse papel, nem sequer de maneira embrionária, no horizonte, no máximo versões híbridas, como as políticas econômicas da China ou do Brasil.
A própria proliferação de governos conservadores, nada inovadores sequer em suas políticas, no centro do capitalismo, indica que nada de novo pode vir deles em substituição do modelo esgotado. Tudo indica portanto que, entre a crise do modelo precocemente envelhecido e as dificuldades de surgimento de um novo, mediará um período mais ou menos longo de instabilidades, de sucessão de crises, de turbulências. Porque o que se esgota é não apenas um modelo hegemônico, é também a hegemonia política dos EUA – os dois pilares de sustentação do novo período político, que substituíram ao modelo regulador e à bipolaridade mundial. E também neste plano, não surge no horizonte uma nova potência ou um conjunto delas, em condições de exercer uma nova hegemonia.
O neoliberalismo não termina, mas se esgota, abrindo um período de disputa por alternativas, em que por enquanto só se vê na América Latina aparecerem propostas de sua superação. Ganha assim a região um protagonismo – junto com a China – na projeção do futuro do mundo em toda a primeira metade do novo século, na disputa entre o velho que se recusa a morrer e produz crises e suas conseqüências por todos os lados, e o novo, que começa a anunciar o posneoliberalismo, um mundo solidário, desmercantilizado, humanista, de que o Forum Social Mundial de Belém – de 27 de janeiro a 1° de fevereiro – será uma mostra pluralista e vigorosa das alternativas ao neoliberalismo.
4) O impensável aconteceu
Boaventura de Souza Santos
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O Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução; cada país tem o direito de fazer prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os ditames da globalização; o mercado não é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua irracionalidade e ineficiência enquanto estas não atingirem o nível de auto-destruição.Boaventura de Sousa SantosA palavra não aparece na mídia norte-americana, mas é disso que se trata: nacionalização.
Perante as falências ocorridas, anunciadas ou iminentes de importantes bancos de investimento, das duas maiores sociedades hipotecárias do país e da maior seguradora do mundo, o governo dos EUA decidiu assumir o controle direto de uma parte importante do sistema financeiro. A medida não é inédita pois o Governo interveio em outros momentos de crise profunda: em 1792 (no mandato do primeiro presidente do país), em 1907 (neste caso, o papel central na resolução da crise coube ao grande banco de então, J.P. Morgan, hoje, Morgan Stanley, também em risco), em 1929 (a grande depressão que durou até à Segunda Guerra Mundial: em 1933, 1000 norteamericanos por dia perdiam as suas casas a favor dos bancos) e 1985 (a crise das sociedades de poupança).
O que é novo na intervenção em curso é a sua magnitude e o fato de ela ocorrer ao fim de trinta anos de evangelização neoliberal conduzida com mão de ferro a nível global pelos EUA e pelas instituições financeiras por eles controladas, FMI e o Banco Mundial: mercados livres e, porque livres, eficientes; privatizações; desregulamentação; Estado fora da economia porque inerentemente corrupto e ineficiente; eliminação de restrições à acumulação de riqueza e à correspondente produção de miséria social.
Foi com estas receitas que se “resolveram” as crises financeiras da América Latina e da Ásia e que se impuseram ajustamentos estruturais em dezenas de países. Foi também com elas que milhões de pessoas foram lançadas no desemprego, perderam as suas terras ou os seus direitos laborais, tiveram de emigrar. À luz disto, o impensável aconteceu: o Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução; cada país tem o direito de fazer prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os ditames da globalização; o mercado não é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua irracionalidade e ineficiência enquanto estas não atingirem o nível de auto-destruição; o capital tem sempre o Estado à sua disposição e, consoante os ciclos, ora por via da regulação ora por via da desregulação. Esta não é a crise final do capitalismo e, mesmo se fosse, talvez a esquerda não soubesse o que fazer dela, tão generalizada foi a sua conversão ao evangelho neoliberal.
Muito continuará como dantes: o espiríto individualista, egoísta e anti-social que anima o capitalismo; o fato de que a fatura das crises é sempre paga por quem nada contribuiu para elas, a esmagadora maioria dos cidadãos, já que é com seu dinheiro que o Estado intervém e muitos perdem o emprego, a casa e a pensão. Mas muito mais mudará.
Primeiro, o declínio dos EUA como potência mundial atinge um novo patamar. Este país acaba de ser vítima das armas de destruição financeira massiça com que agrediu tantos países nas últimas décadas e a decisão “soberana” de se defender foi afinal induzida pela pressão dos seus credores estrangeiros (sobretudo chineses) que ameaçaram com uma fuga que seria devastadora para o actual american way of life.
Segundo, o FMI e o Banco Mundial deixaram de ter qualquer autoridade para impor as suas receitas, pois sempre usaram como bitola uma economia que se revela agora fantasma. A hipocrisia dos critérios duplos (uns válidos para os países do Norte global e outros válidos para os países do Sul global) está exposta com uma crueza chocante. Daqui em diante, a primazia do interesse nacional pode ditar, não só proteção e regulação específicas, como também taxas de juro subsidiadas para apoiar indústrias em perigo (como as que o Congresso dos EUA acaba de aprovar para o setor automóvel).
Não estamos perante uma desglobalização mas estamos certamente perante uma nova globalização pós-neoliberal internamente muito mais diversificada. Emergem novos regionalismos, já hoje presentes na África e na Ásia mas sobretudo importantes na América Latina, como o agora consolidado com a criação da União das Nações Sul-Americanas e do Banco do Sul. Por sua vez, a União Européia, o regionalismo mais avançado, terá que mudar o curso neoliberal da atual Comissão sob pena de ter o mesmo destino dos EUA.
Terceiro, as políticas de privatização da segurança social ficam desacreditadas: é eticamente monstruoso que seja possível acumular lucros fabulosos com o dinheiro de milhões trabalhadores humildes e abandonar estes à sua sorte quando a especulação dá errado.
Quarto, o Estado que regressa como solução é o mesmo Estado que foi moral e institucionalmente destruído pelo neoliberalismo, o qual tudo fez para que sua profecia se cumprisse: transformar o Estado num antro de corrupção. Isto significa que se o Estado não for profundamente reformado e democratizado em breve será, agora sim, um problema sem solução.
Quinto, as mudanças na globalização hegemônica vão provocar mudanças na globalização dos movimentos sociais que vão certamente se refletir no Fórum Social Mundial: a nova centralidade das lutas nacionais e regionais; as relações com Estados e partidos progressistas e as lutas pela refundação democrática do Estado; contradições entre classes nacionais e transnacionais e as políticas de alianças. Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
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